Fernando Moital

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Fernando Moital
Faleceu o Fernando Moital. Era uma notícia esperada para quem acompanhava os seus dois últimos meses de vida. Mas foi uma notícia inesperada porque não queríamos que acontecesse.
O Fernando era daqueles seres humanos que se entranham facilmente pela empatia que criava, pela sua bondade, pela sua alegria, pela sua disponibilidade para ajudar os seres humanos em situação mais vulnerável. Dedicou uma parte significativa da sua vida a lutar por melhores condições de vida para dezenas de famílias ciganas. Uma luta incansável de duas décadas, denunciando situações de injustiça, de segregação, de racismo; contactando câmaras, organizações governamentais e não governamentais, personalidades de reconhecido mérito social; criando ele próprio, sempre que possível, condições mínimas de vivência digna; lutando pela atribuição do cartão de cidadão às pessoas em situação de itinerância. Era um excelente ser humano.
Por todo este trabalho de voluntariado, foi-lhe atribuído, em 2021, durante a realização do Seminário Internacional do Observatório das Comunidades Ciganas, o Prémio ObCig Pessoa de Mérito criado em 2020. Fez um breve discurso que foi enorme no seu conteúdo. Na simplicidade onde procurava esconder a grandeza das suas acções.
Soubemos que estava doente pelo envio de um email a um conjunto de pessoas e entidades, em que referia mais uma situação de flagrante segregação e racismo de famílias ciganas “nómadas compulsivas”, como designava as famílias que não tinham acesso a habitação digna. Nessa mensagem, dizia que estava doente e sem forças para mais uma luta. Estava já gravemente doente e a sua preocupação era com os outros.
Falámos várias vezes enquanto esteve internado: do seu trabalho em prol das famílias ciganas, do que ainda gostaria de fazer, dos seus amigos, do seu filho. Numa dessas conversas dizia que, ainda em casa e com famílias ciganas com ele, estas estavam preocupadíssimas, querendo levá-lo ao hospital. Em outra conversa, animado, dizia que tinha plantado umas árvores em conjunto com um grupo de amigos e que esse grupo de amigos se alternava na rega e cuidado das mesmas. E que tinha recebido uma mensagem de um desses amigos dizendo “Fernando, hoje fui regar-te”. E o Fernando emocionou-se com este nutrir da amizade e do carinho.
Ao longo da vida vamos perdendo várias pessoas que são significativas para nós. Ficamos vazios, falta-nos quem gostamos. E a vida vai perdendo algum do seu significado. Quando essas pessoas são significativas para centenas de outras pessoas, ficam muitos vazios.
Ao pensar na morte, vem à mente uma entrevista do Frei Bento Domingues ao Público em 2011: “a morte é a gente não ter interlocutor.”
Ficamos sem um interlocutor ímpar. Mas vamos regá-lo sempre, Fernando. Como um miosótis que não parará de crescer. Tal como as suas árvores. E as acções que, também na continuidade do seu trabalho, continuaremos a realizar.
O Observatório das Comunidades Ciganas

Actionné près Liferay